segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A essência da vida é saber fingir

“A essência da vida é saber fingir, ocultando o fingimento, quando se finge, fingindo que não se finge.” Carlos Colaço

20 anos após ter escrito esta reflexão e as palavras continuam a fazer todo o sentido. Não o mesmo sentido que lhes atribuí aos 17 anos, mas um sentido agregado. Nunca deixou de fazer sentido, como acontece com algumas que escrevi na mesma época. Pelo contrário, cada vez mais o seu significado se apura. Tem vindo a mudar ao longo dos anos, é claro, mas nunca se perdeu. Fingimos que somos, sem ser. Fingimos que não somos, quando sabemos piamente que somos. Fingimos que temos, quando o que temos se aperta na mão fechada… e não sobra nada. Fingimos que não temos, quando afinal, qual atlas, transportamos o mundo nas costas, em nós. E ainda pensamos que todo este fingimento não transparece, que os mais pequenos indícios não nos denunciam. Nós percebemos o fingimento no outro, mas ele nunca percebe o nosso. Temos sempre a certeza de ser melhor do que o outro, até no fingir. Sejamos sociais e façamos como o outro nos faz: fingimos não perceber o fingimento de quem finge…

Não sou eu, nem sou o outro

“Eu, não sou eu, nem sou o outro. Sou qualquer coisa de intermédio….” Mário de Sá Carneiro

Tenho dias em que me sinto eu. Tenho dias em que me sinto o outro. Tenho dias em que não me sinto nem eu, nem o outro, nem qualquer coisa de intermédio. Não sou a ponte, nem sou as margens. Deambulo nas águas do leito vazio, encontrando cada pedra, cada seixo, que se esconde, como se estivesse à minha espera. Procuro-me em cada gesto, em cada olhar e apenas fico ainda mais perdido, à deriva… Não me encontro, nem me espero. Sou todos e não sou alguém. Revisito os lugares em que já fui, em que sei que existi, mas também já lá não estou. Nem fora, nem dentro, nem perto, nem longe. Se sou, não me vejo, não me sinto, nem me encontro.

As rosas e os espinhos

“Se, ao avistares uma roseira, apenas conseguires vislumbrar os espinhos, tenta erguer um pouco o olhar, as rosas costumam crescer mais acima.” Carlos Colaço

Existe em nós uma capacidade, algo ingrata, confesso, que é procurar ver, olhar, além do que vista alcança. Tentar sempre dissecar a aparência e chegar à essência. Contudo, isso dá trabalho e não se coaduna com o mundo do imediato e do fácil, com que nos deparamos todos os dias. É tão fácil não procurar, contentarmo-nos com o que está a descoberto, julgar e catalogar o produto. Não há tempo para a descoberta. Que venha o fast food e nos brinde com o seu contributo para o hedonismo, que tanto nos alimenta o corpo e que, ao mesmo tempo, nos deixa, cada vez mais, vazios, cheios de nada. E pagamos caro! Aloja-se em nós e, como parasita que é, consome-nos tudo o que pode: os sentimentos (para quem os tem), os princípios e valores (de quem os adquiriu) e a alma (se é que todos temos uma).
E quando as rosas são lindas? Temos tendência para nos esquecermos que, até as mais bonitas, são dotadas de espinhos, muitas vezes fortes, aguçados, contundentes. Vamos na ilusão da efemeridade duma beleza perene e fugaz, que apenas dura uns dias, acabando por murchar e apodrecer. Que prazer tão momentâneo! Em troca, exibimos as chagas que os espinhos nos infligiram, deixando cicatrizes… para sempre.
“Levo rosas entre os braços,
Espinhos no coração.
Entre beijos e abraços,
Os espinhos ficam… as rosas, vão.”