quarta-feira, 23 de abril de 2008

"As marcas que uma enchente gravou nas margens do rio só serão apagadas por uma enchente ainda maior." Carlos Colaço
O pior é quando contruímos barragens, ou desvios no curso da água, a montante dessas marcas, não permitindo que a água cubra o leito. Não permitimos, voluntária ou involutariamente, que a água passe e nova enchente se forme. Preferimos manter o leito vazio, expondo as cicatrizes da enchente anterior, e perdemos o precioso tempo a admirá-las, e muitas vezes a exibi-las, como se um troféu se tratasse. até um dia em que acordamos e sentimos que essas marcas deixaram de fazer sentido, que a memória já se esvaziou de tudo aquilo que a enchente arrastou e nos trouxe... aí, muitas vezes procuramos destruir a barragem, abrir as comportas de par em par... e surpreendemo-nos, porque a água, de tanto estar retida, infiltrou-se, evaporou-se e a pouca que restou está putrefacta e nos vais infestar o leito que, teimosamente, deixamos vazio. Perda de tempo. Vamos ter que deixar a chuvar cair, lavar as pedras, as areias, purificar o leito, para, então, podermos receber nova enchente e aproveitar os tesouros que vêm dar à margem. Pode deixar marcas, ou não, depende do tempo que a enchente durar, mas, com certeza, irá apagar as anteriores, libertar-nos-á!

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Hoje respirei fundo. Renasci em cada suspiro, apesar de estar consciente que cada inspiração me aproxima do fim (como é possível que algo que nos aproxima do fim nos faça sentir renovados, às vezes?). Tive plena consciência do processo. Sentia os pulmões encher, e esvaziar, conseguia mesmo ver o tecido esponjoso, e preto, a inflamar-se e a voltar ao estado de repouso. Senti que tinha pleno controlo sobre o meu sistema nervoso autónomo. Inconsciências que nos fazem sentir mais fortes. Estratégias do nosso inconsciente que nos permitem evitar sentimentos de impotência e nos ajudam a lidar com as frustrações do dia-a-dia. Não importa o porquê, importa que dominava algo, pelo menos o que se passa dentro de mim, ainda que tenha plena consciência de que esta é uma sensação ilusória. Árroto o ar que me sufoca e me faz sentir o latejar corpóreo desta vã existência, presentindo que deixarei de me sentir, de me auto-controlar, ao deixar fugir esta bolha que me prendia a mim, que me tornava consciente dos batimentos, em vão, emitidos pela casa das máquinas, que tantas vezes passa despercebida e ignorada. Finalmente o dia chegou ao fim. Vou poder parar, pensar e preparar-me para um amanhecer cinzento, frio e vazio. Mas que importa isso? Vale sempre a pena esse amanhecer, porque se o de amanhã for cinzento, outros mais coloridos virão... basta ter paciência e seguir amanhecendo, até ao fim, até aos dias de sol, de côr e de plenitude.

segunda-feira, 14 de abril de 2008


Silêncio!
Quero ouvir minha solidão, que se agita,
Num imenso mar,
Onde as almas estão
E a minha grita, aflita.
Silêncio, quero ouvir minha alma gemer … O último suspiro,
Enquanto se afoga, num imenso mar de solidão.
Silêncio, enquanto o silêncio medita,
Pra me trazer lá de longe,
Os gritos, de minha alma aflita,
Num imenso mar,
Onde a solidão se agita!
Que será que me deu hoje?
Sempre escrevi e sempre escondi. De repente, dou por mim a criar um blog e a escrever na fachada da Igreja e Santo Antão, e em letras bem garrafais. Provavelmente será por hoje estar num daqueles dias em que as palavras tentam desabrochar e não se contentam com um forte deglutir que as empurra para baixo, para um homicido gástrico, tantas vezes sofrido. Hoje é o dia da Palavra, nacional, internacional, ou apenas pessoal, o certo, é que a palavra hoje ganhou a batalha, soltou o seu grito de Ipiriranga. Ganhou vida própria e nem eu a consigo controlar. Nem eu, o contido, o engole-palavras, lhes consegue ter mão. A fonte está aberta espero que brote e me impeça de morrer afogado num mar de palavras não pronunciadas, de ideias não transmitidas. Ela que se liberte, que ganhe asas e me leve no seu voo!